Desastre ambiental

Acordo destina R$ 170 bi para reparar tragédia de Mariana

Presidente Lula disse que, agora, a responsabilidade pelo cumprimento do acordo está "nas costas do governo"

Entre as novidades do acordo estão a construção de um hospital e investimentos em áreas escolhidas pela própria comunidade -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR)
Entre as novidades do acordo estão a construção de um hospital e investimentos em áreas escolhidas pela própria comunidade - (crédito: Ricardo Stuckert/PR)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi, ontem, a Mariana (MG), para formalizar o novo acordo de repactuação para a Bacia do Rio Doce, avaliado em R$ 170 bilhões. Em novembro, aquele que é considerado o maior desastre ambiental do país completa 10 anos.

O acordo, que já havia sido anunciado em outubro do ano ado, prevê o pagamento de R$ 132 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões representam novos recursos, a serem pagos em até 20 anos pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público para serem aplicados em diversas destinações.

As companhias também rearão outros R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob sua responsabilidade. Outros R$ 38 bilhões já foram pagos pelas empresas.

"Nós fizemos um acordo e trouxemos a responsabilidade de fazer as coisas acontecerem para as costas do governo. Portanto, agora, nós não temos mais desculpa", disse Lula, ao prometer acelerar a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015.

Descrito pelo prefeito do município, Juliano Duarte, como o "maior acordo ambiental já firmado no Brasil e no mundo", ele busca reparar os danos provocados pelo rompimento da barragem.

Duarte e o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, criticaram a Fundação Renova, criada para gerenciar a reparação. Eles afirmaram que a Renova "gastou muito e gastou mal", "tragou todo o dinheiro" e "não cuidou do povo", tendo executado R$ 38 bilhões sem clara prestação de contas.

"Mariana enterrou vidas, Mariana enterrou memórias, enterrou dignidade e eu considero como o maior crime ambiental do mundo. Isso tem que ser registrado. E um dos maiores erros, senhor presidente, foi a criação da Fundação Renova. Todos sabem muito bem: gastou-se muito e gastou-se mal", lamentou o chefe do Executivo local.

"Nós não vamos nos iludir, este acordo aqui não é o melhor acordo do mundo, ele é o melhor acordo possível. Ele só vai dar certo se o governo, se vocês, se nós tivermos o compromisso de fazer com que esse acordo aconteça", destacou Messias.

Do total, a coordenação de R$ 49,8 bilhões será de responsabilidade do governo federal, com 19 ministérios envolvidos. Os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo receberão, respectivamente, R$ 25,53 bilhões e R$ 14,87 bilhões para ações estruturantes. Para a saúde, estão previstos R$ 11 bilhões, dos quais mais de R$ 8 bilhões irão compor um fundo patrimonial permanente para custear serviços por décadas.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou, também, a construção de um Hospital Regional em Mariana, ligado à Universidade Federal de Ouro Preto e focado no tratamento de câncer, com investimento de R$ 220 milhões da pasta. O município de Mariana se comprometeu a doar a área e investir mais R$ 20 milhões.

"O nosso sonho, assim como a gente viu ali uma que sofreu com o crime ambiental virar advogada, é ver pessoas que sofreram com crime ambiental virarem médicos, médicas, enfermeiros, profissionais desse grande hospital que vai formar profissionais aqui na região", destacou Padilha.

Em ações ambientais, R$ 8,13 bilhões serão destinados à restauração de 5 mil nascentes, produção de 30 milhões de mudas para reflorestamento e manejo de 9,15 milhões de metros cúbicos de rejeitos contaminados. Programas de retomada econômica contarão com R$ 6,5 bilhões.

Para transferência de renda, R$ 3,75 bilhões serão destinados, com o primeiro pagamento previsto para 1º de julho para 22 mil pescadores e 16 mil agricultores familiares. Comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais receberão R$ 7,8 bilhões.

A Agência Nacional de Mineração (ANM) será modernizada com R$ 1 bilhão para prevenção e mitigação de riscos. As empresas Samarco, Vale e BHP terão a "obrigação de fazer", segundo o ministro da Casa Civil, Rui Costa, a execução direta de obras de R$ 32 bilhões para recuperação ambiental e reassentamentos, sob fiscalização governamental.

No Programa Indenizatório Definitivo (PID), registraram-se 261.283 adesões, com 53 mil pagamentos efetuados que totalizam R$ 4,5 bilhões. Os valores de indenização são de R$ 95 mil para agricultores e pescadores e R$ 35 mil para os demais.

Uma característica central do novo acordo é a participação social. Os atingidos serão "protagonistas" na aplicação dos recursos, segundo Jorge Messias, por meio da criação do Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce e do litoral capixaba.

Este conselho, paritário e com comunidades tradicionais e movimentos sociais, definirá o destino de R$ 5 bilhões e monitorará a execução do acordo. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada por Lula em dezembro de 2023, também é um instrumento legal para orientar a reparação.

Atingidos

Mauro Marcos da Silva, representante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão de Mariana, e Letícia Oliveira, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), criticaram a insuficiência dos R$ 35 mil e a burocracia para o aos R$ 95 mil, observando que milhares de pessoas ao longo da bacia que não viram sequer um centavo da reparação.

"O direito individual talvez seja o ponto onde as empresas mais saem fortalecidas nesse acordo, em que elas construíram a estratégia delas. A indenização dos R$ 35 mil é insuficiente, é extremamente insuficiente o que as empresas estão pagando para os atingidos. Não resolve os problemas de 10 anos do crime, porque, inclusive, é um crime continuado, que a cada ano retorna na casa das pessoas", explicou a representante do MAB.

Marcos lamentou a perda do pai, que faleceu aos 91 anos, aguardando a justa reparação e sem ver sua casa no reassentamento concluída, enfatizando a "fome e sede de justiça". Letícia ressaltou que o acordo é um "lançamento de desafios" e destacou a importância da PNAB.

"Conviver com os olhares irônicos, muitas vezes debochados das pessoas que se julgam no direito de dizer onde, quando e como vão reparar e se vão reparar e a quem devem reparar, é um desafio longo, um desafio árduo que começa agora com essa nova etapa de colocar em prática todos os projetos", desabafou Marcos.

 

*Estagiário sob a supervisão de Edla Lula

postado em 13/06/2025 03:29
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