
Um dia após reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a base aliada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu a real dimensão do que espera das medidas fiscais do Executivo que serão enviadas ao Congresso. O pacote tem propostas alternativas ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que provocou reações negativas no Legislativo e no empresariado. Contudo, a aprovação e o impacto ainda geram dúvidas.
Motta, por sua vez, não garantiu apoio do Legislativo à nova medida provisória (MP). "Não há do Congresso, é importante aqui registrar, o compromisso de aprovar essas medidas que vêm na MP. A MP será enviada apenas para que, do ponto de vista contábil, não se tenha que aumentar o contingenciamento", disse Motta, ontem, em seminário organizado pelo Grupo Globo com representantes do mercado financeiro.
A polêmica em torno do IOF ajudou a minar a aprovação de Lula junto à população, em meio ao escândalo das fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A fala de Motta, embora a negociação seja considerada "histórica" pelos envolvidos, revela a instabilidade do apoio político do Executivo. O deputado disse haver "uma forte movimentação na Casa" para barrar o decreto do IOF e acrescentou que os parlamentares não gostaram da forma como a medida foi apresentada, de forma atabalhaoada.
Analistas veem as propostas do novo pacote fiscal com ressalvas, pois ainda há dúvidas sobre o verdadeiro impacto fiscal do pacote e se ele será suficiente para equilibrar as contas públicas, pois não há propostas estruturantes. Entre as medidas anunciadas por Haddad após a reunião de quase seis horas, destaca-se o aumento de 12% para 18% na taxação das apostas eletrônicas, as bets; a cobrança de 5% de Imposto de Renda (IR) das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que eram isentas. O governo também propôs o aumento de 15% para 20% no IR sobre a distribuição de Juros sobre Capital Próprio (J), e prevê elaborar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para a redução de 10% dos gastos tributários.
Segundo Haddad, o novo decreto é uma "recalibragem" do anterior e será acompanhado por uma MP e um projeto de lei complementar para consolidar o ajuste fiscal. O pacote deve ser apresentado oficialmente ao presidente Lula hoje.
Reações
O novo pacote ainda é incerto, de acordo com analistas, e tem sido alvo de críticas de entidades dos setores afetados. "O pacote é muito mais do mesmo, de efeito neutro no mercado, porque ninguém imaginava que fosse ter uma mudança realmente mais radical nos gastos", afirmou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Para ele, o impacto deverá ser reduzido nas contas públicas e o "ajuste fiscal crível" só ocorrerá em 2027. O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Alexandre Andrade também não demonstrou otimismo em relação ao novo pacote. Ele lembrou que os impactos fiscais ainda são incertos, pois dependem da aprovação do Congresso. "O objetivo mesmo será compensar o que será perdido com a revisão do decreto do do IOF", disse, em referência à previsão inicial de receita extra, de R$ 20,5 bilhões, neste ano.
Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA, ressaltou que o desafio do governo será encontrar medidas que substituam aquela receita estimada para o IOF com o novo pacote. "Há risco de essas medidas serem insuficientes não só pela necessidade de anterioridade em várias delas (noventena ou anualidade), mas também porque não sabe se serão desidratadas no Congresso, e porque as medidas mais fundamentais para um ajuste estrutural são as que parecem estar em estágio mais incipiente, quais sejam, o corte linear de benefícios tributários e os cortes de despesas primárias", alertou.
Para o CEO e sócio-fundador do Family Office CX3 Investimentos, Julio Ortiz, a nova medida, de novo, é um "tapa-buraco" para o governo cumprir o arcabouço, via o caminho mais fácil. "A cada momento, tentam resolver 'o buraco fiscal', sempre de forma atabalhoada, como foi na questão do IOF, que, sendo um imposto regulador, não precisa respeitar o princípio da anualidade."
Entidades relacionadas aos setores afetados pelo aumento de impostos engrossaram o coro das críticas à taxação da LCA e da LCI. "A conta será paga pelo consumidor, que receberá o ree no preço dos alimentos. A tributação tende a afastar investidores e encarecer o crédito para quem produz", destacou a nota da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ao comentar sobre o fim da isenção da LCA. A Associação das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), por sua vez, defendeu que a LCI não deve ser analisada unicamente sob a ótica do investimento, pois "o eventual fim da isenção de IR resulta na elevação do custo da moradia e pode comprometer o o à casa própria".
Já o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), resolveu atacar os críticos do pacote. Ao defender o fim dos supersalários, Farias afirmou que grande parte da resistência às medidas é liderada pela elite econômica, "que insiste em manter privilégios mesmo diante da necessidade de equilibrar as contas públicas". Essa crise, aliás, deve ser o teste de fogo para a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que está completando três meses no cargo. O novo pacote fiscal de Haddad colocará à prova sua capacidade de articulação.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Saiba Mais

Rafaela Gonçalves
RepórterJornalista formada pela UCB com especialização em Economia pela Saint Paul Escola de Negócios e cursando MBA em Gestão Ambiental e Sustentabilidade na Uniube. Atua na cobertura política em Brasília desde 2018.